De forma injusta, dizemos serem pequenas. O ruido dos dias pressionam o seu valor no sentido da sua dimensão e, como pequenas que são, são muitas vezes soçobradas para os labirintos da memória. Digo de forma injusta pois creio serem elas que nos mantêm e iluminam nos momentos baixos de uma vida. Falo do que vulgarmente chamamos de coisas pequenas.
Também as métricas do sucesso, muitas vezes impostas por terceiros, obscurecem estas coisas (pequenas) condenadas assim a viver na sombra de outros objetivos (chamados maiores). Está claro que a forma como percecionamos esta dimensão das coisas (pequenas e grandes), enovela-se com o que celebramos e com a intensidade com que o fazemos, perpetuando assim o ciclo. As coisas grandes ficam gigantes, as pequenas distantes.
Importa, por isso, quebrar este ciclo de glorificação do que tipicamente significa ser bem-sucedido e celebrar as coisas pequenas.
Este é (também injustamente chamado) um pequeno passo para praticar a gratidão. Quem temos connosco no caminho, as (também pequenas) conquistas diárias, os gestos, um olhar… importa celebrar.
O medo do invisível invadiu e abanou violentamente a nossa estrutura alterando, talvez para sempre, a forma como celebramos e, por isso, importa agora, mais que nunca, celebrar as coisas pequenas procurando (quem sabe?) torná-las maiores.
Ao terminar o tratamento de radioterapia sempre existiram manifestações dos mais variados estados emocionais. Felicidade, alívio, esperança e gratidão são alguns dos muitos mais existentes. Geralmente de forma contida, as pessoas vão partilhando connosco aquilo que sentem no momento da despedida, no dia do último tratamento. Na sua forma mais crua é uma celebração, e é inteiramente justo que o seja, mas não deixo de sentir que é sempre feito debaixo de uma vergonha, de um tabu imposto pelo peso da doença.
Escrevo este texto depois de em mais de 15 anos de trabalho ter visto pela primeira vez alguém que conseguiu agir para além desse estigma. Alguém que apesar da sua doença decidiu celebrar envergando uma t-shirt que, de forma orgulhosa, dizia “último dia de tratamento!”. As reações provocadas por toda a unidade por tal afirmação (de uma vida) são prova mais que suficiente do que quero dizer.
Talvez fosse, por isso, importante para nós, enquanto profissionais, aprender a celebrar com os nossos doentes ajudando, dia após dia, a quebrar esse tabu e tornar esse momento no que realmente é. Um que merece ser celebrado.
Afinal de contas haverá lá melhor coisa para celebrar do que voltar a ter a nossa vida de volta?
4 respostas
Olá, em resposta à sua pergunta, sim, se tivermos a certeza de que o mal já passou. Eu já fiz duas pequenas cirurgias e acabei de fazer radioterapia em dois locais, costas e pescoço e nada nem ninguém me diz que não voltarei a ter mais placas para tratar, pois é um cancro que não tem cura e, assim pode voltar em qualquer momento. Certezas hoje em dia não há.
Não quero parecer derrotista mas é a minha realidade. Mas acho muito bem que cada festeje à sua maneira. Eu por enquanto não posso fazê-lo, com muita pena minha.
Agradeço desde já o seu trabalho que muito me ajudou a perceber o que é a radioterapia. Um muito obrigado Sr. André. Cumprimentos Elisabete
Olá Elisabete!
Também eu lhe agradeço o comentário e por me permitir saber que o site lhe foi útil. Sempre foi, para mim, o grande objectivo.
Quanto às celebrações, entendo e respeito perfeitamente o que diz. Quando falo em celebrar pretendo dizê-lo de forma criteriosa. Compreendo que nem toda as pessoas terão motivos de celebração e outras haverá, que os tendo, não o quererão fazer e os entendam até como um pouco ofensivos. Não pretendo de modo nenhum desvalorizar nem desrespeitar tais situações. Antes escrevi como forma de criar consciência e de o “legitimar” para quem sinta que o deve fazer e que quem trabalha na área lho permita fazer.
Lamento que se encontre nessa delicada situação que será, com certeza, angustiante e de difícil gestão. No entanto quero desejar-lhe toda a sorte e deixar-lhe força para o seu caminho.
Um apertado e carinhoso abraço.
André
Olá, de novo, agradeço do fundo do coração as suas palavras. É preciso ter cancro para perceber o abanão que levamos ao ter conhecimento dele. Levei semanas, direi mesmo meses, para falar abertamente do meu. Na realidade só quando me foi prescrito, como tratamento, Radioterapia, tive coragem para falar com os amigos, pois até aí só o marido, filhos e suas famílias tiveram conhecimento. E tive conhecimento do seu site na semana anterior a começar a fazer radio o que me ajudou e muito. Quando fui para o IPO de Lisboa fi-lo mais confiante. Um muito obrigado por este trabalho. Um abraço
Elisabete Canhoto
Olá André, fico contente que tenha assistido a mais um Congresso, com certeza que não foi o primeiro, nem será o último. Penso que os profissionais têm sempre de tirar proveito dessas instruções.
Fui operada, agora outra vez em Outubro, pois a cicatriz da segunda operação , não sei dizer o termo técnico, tornou-se queloide, tinha dores que pareciam choques elétricos, não tenho melhor descrição a fazer daquilo que eu sentia. Não tinha posição para dormir, estar sentada, as viagens a Lisboa eram insuportáveis, eram almofadas de todos os tamanhos para conseguir ficar confortável. Como vi que não melhorava fui falar com o médico que me tinha operado e lá consegui que ele percebesse que tinha de fazer alguma coisa e fez. Graças a Deus e a esse médico, estou muito melhor. Claro sinto que tenho uma cicatriz “fresca” e sinto-a, mas já estou bem sentada ou deitada. Não lhe disse mas o meu cancro é um linfoma cutâneo e comecei a ser tratada em Portimão e depois no IPO de Lisboa. E fui muito bem tratada, todo o pessoal é fantástico, vou voltar lá no final de Janeiro. cumprimentos
Elisabete Canhoto