Só a palavra remete-nos imediatamente para centrais nucleares, bombas atómicas e cenários apocalípticos. O medo invade-nos e queremos é afastarmo-nos dela! E este medo é perfeitamente normal.
Afinal de contas a história recente mostrou-nos, através de diversas campanhas, que a radiação é má. As bombas atómicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra Mundial, o acidente na central nuclear de Chernobyl e mais recentemente em Fukushima, são apenas alguns exemplos de eventos que marcam os preconceitos que temos sobre a radiação.
Na verdade, a história fez pouca justiça à radiação e aos que dedicaram a sua vida ao seu estudo. Henri Becquerel, Pierre e Marie Curie, Wilhelm Conrad Röntgen são alguns dos heróis, para muitos desconhecidos, que dedicaram a sua vida ao estudo da radiação e dos seus fenómenos, e por vezes, pagando com a própria vida.
A verdade é bem mais abrangente. A verdade é que a radiação está em todo o lado! Já nem nos vemos a viver sem ela mesmo que disso não tenhamos consciência. A radiação está no rádio que ouvimos, na televisão que vemos, na comida que comemos, nos telemóveis que usamos, na praia, no comando da televisão, no wi-fi, na medicina, na industria, na segurança… enfim em muitíssimas coisas do nosso dia a dia.
É claro que são radiações diferentes e esta vai ser a nossa primeira distinção. Uma é chamada de não ionizante e a outra de ionizante. Não se assustem! Este vai ser apenas um dos muitos termos que vamos encontrar e que farei por explicar.
Então, uma ioniza e a outra não. O que quer isto dizer? Bem, uma tem energia suficiente para arrancar electrões a um átomo ou molécula e a outra não. Confusos? Vamos a isto então.
Se algum dia estudaram química ou física vão reconhecer esta imagem. É uma representação do que se passa num átomo (aquelas coisas pequenas que constituem tudo o que existe no nosso mundo).
Como podem ver o átomo é constituído por dois grandes “componentes”. O núcleo e os electrões que o “orbitam”.
Assim, já podemos ligar as coisas. Ora a radiação é ionizante se tiver energia suficiente para que ao interagir, pelo menos um electrão consiga captar essa energia e fugir à influência do núcleo.
Porque é que isso é importante? Porque é a base da radioterapia!
Bem, dizem vocês, isso é tudo muito interessante, mas não explica o que é a radiação!
Verdade! Mas com a separação que fizemos anteriormente já percebemos uma coisa. Umas têm mais energia que outras. Isto é importante porque no fundo, a radiação é essencialmente a passagem de energia de um ponto para outro. Simples não?
Na verdade, a quantidade de energia na radiação permite-nos fazer outras separações para além de ionizante e não ionizante.
Aos que têm idade para terem um dia sintonizado uma televisão, já se perguntaram o que quer dizer o UHF e o VHF que surgia nessa situação? É verdade! É uma separação de dois tipos de radiação. As de frequência ultra alta (Ultra High Frequency) e as de frequência muito alta (Very High Frequency).
Ups! Mais uma coisa a explicar… frequência. Pois bem, viajemos até à praia.
Estamos sentados na areia a ver as ondas do mar a dar à praia. Dito isto, a frequência seria a quantidade de ondas que chegam à praia dentro de um certo tempo. Digamos que chegam à praia 4 ondas por minuto. Essa é a nossa frequência! Para a radiação a situação é semelhante. A radiação viaja em ondas e neste caso contam-se por segundo. Na verdade quando sintonizam o rádio do carro na vossa estação favorita aparece um numero certo?
Digamos 97,4MHz (Mega Hertz). Isto quer dizer que colocaram o vosso receptor a filtrar apenas a radiação com a frequência de 97,4 Milhões de ondas por segundo!
Assim, ao ordenarmos a radiação pela sua frequência criamos o que se chama de espectro electromagnético (não se assustem que é só um nome pomposo).
Neste, o que é que podemos ver? Vemos os tipos de radiação que existem e as suas diferenças relativamente à sua frequência.
Vemos também um novo nome. Comprimento de onda. Este é também fácil de explicar com o exemplo da praia. O comprimento de onda não é mais do que a distância entre duas ondas!
Ora paremos agora para pensar nisto. Se a frequência é a quantidade de ondas num determinado tempo e o comprimento de onda é a distância entre ondas, eles têm que estar relacionados! E estão!
Mantemos o exemplo da praia. Vamos fixar o nosso intervalo de tempo em 10 minutos.
Então, se o comprimento de onda (distância entre ondas) aumentar vamos ter menos ondas a chegar à praia (Frequência) certo? Ora, o inverso é também verdade. Se mantivermos o tempo fixo e fizermos diminuir a distância entre ondas então vamos ter mais ondas a chegar à praia.
Como já perceberam elas variam na medida inversa uma da outra. Quando uma aumenta a outra diminui e vice-versa.
Voltemos aos tipos de radiação. Temos então nas frequências mais baixas as ondas rádio através das quais funcionam uma grande variedade de equipamentos como os rádios, as televisões, as ressonâncias magnéticas, entre outros.
Avançando para as micro-ondas temos os famosos fornos com o mesmo nome, os telemóveis, o wi-fi, os radares e muitos outros. Das micro-ondas passamos para os infravermelhos. Aqui funciona a visão noturna, os comandos das nossas televisões e as comunicações de fibra óptica.
Aumentando a frequência entramos num muito pequeno, mas muito importante ponto do espectro. O da radiação visível! São estas frequências que os nossos receptores naturais (os olhos) conseguem captar. É verdade! Tudo o que conseguimos ver está apenas numa pequeníssima parte de toda a radiação existente.
Avançando no espectro entramos na radiação ionizante. Mais concretamente nos ultravioletas. Os famigerados raios UV dos quais nos temos que proteger quando vamos à praia apanhar sol. Aqui conseguem perceber o verdadeiro alcance do que significa ionizante. Vamos à praia apanhar sol mas esquecemo-nos do protector solar e acabamos com um escaldão! Este escaldão, radiodermite em termos médicos, mais não é do que o resultado da ionização dos atómos das nossas células que acabaram danificadas o que provocou uma inflamação da pele.
Passando os UV entramos na radiação “da pesada”. Falo dos raios-x e raios gama. Estes, são a radiação geralmente usada na indústria e medicina. Na verdade, em termos da energia que têm, o nome x ou gama não os diferencia. Geralmente associamos o nome raios-x aos produzidos artificialmente e gama aos produzidos de por elementos radioactivos.
Este tipo de radiação é usado em várias aplicações por vós conhecida, por exemplo o controlo de bagagens nos aeroportos, esterilização de alimentos, em imagens médicas, exames de medicina nuclear (cintigrafia, PET), e claro, nos tratamentos de radioterapia.
Neste tipo de radiação inclui-se ainda a radiação cósmica presente no espaço.
A titulo de curiosidade nem todas as imagens médicas usam radiação ionizante. A titulo de exemplo as ecografias são feitas através de ondas sonoras (com frequências cima das que conseguimos ouvir – Ultra Sons) e as ressonâncias magnéticas que são feitas através de campos magnéticos.
A palavra radioactividade é muitas vezes usada como sinónimo de radiação. Porém, embora relacionadas, não significam exactamente a mesma coisa. Radioactivo expressa uma condição, um estado em que um determinado material se encontra. Significa que está activamente a emitir radiação.
Mas então o que é que isso significa concretamente? Significa que a estrutura dos átomos de um material está instável. De uma forma ou de outra, tudo na natureza tende para um estado de equilibrio seja de forças, pressões ou cargas.
No caso, significa que a relação de cargas positivas (numero de protões), negativas (numero de electrões) e neutras (numero de neutrões) não está equilibrada. Significa que o átomo tem protões, electrões ou neutrões, a mais ou a menos. Uma vez neste estado o átomo tende para um estado de equilíbrio “livrando-se” do que está a mais para o conseguir. No caso, livra-se de energia sob a forma de radiação.
Então como é que um material (composto por átomos) fica radioactivo?
Na natureza existem materiais que são naturalmente radioactivos. Essa radioactividade é resultante do processo natural de formação dos vários elementos químicos existentes.
Vejam o caso do Uranio. Na sua forma pura, o Uranio tem 92 protões e 92 electrões e 146 neutrões. Porém na sua forma material retirada de minas, existe uma pequena parte (cerca de 0,7% dos átomos), que apenas tem 143 neutrões. Esta diferença é o suficiente para deixar o material instável e iniciar um processo de perda de energia através de radiação. No final de alguns milhares de anos atinge o seu estado fundamental já na forma de outro material. O chumbo.
A titulo de curiosidade o Uranio 235 (aquele que apenas tem 143 neutrões) é o material usado nas centrais nucleares para produção de energia. Já agora, fica também a ligação. Chamam-se nucleares pois é com isso que lidam. Com o que está no núcleo do material.
Embora se encontrem de forma natural, existem materiais radioactivos criados de forma artificial. Este processo passa por desestabilizar um átomo que se encontra no seu estado fundamental.
Actualmente em desuso na radioterapia, foi durante muitas décadas usada, uma forma de Cobalto como fonte de radiação em tratamentos de radioterapia externa. No seu estado natural, o Cobalto tem 27 protões e 32 neutrões (conhecido pelo seu numero atómico 59) e não é radioactivo. Para o transformarem num material que pudesse ser usado nos tratamentos, a este Cobalto 59 é-lhe adicionado um neutrão deixando-o instável e como tal, radioactivo (Cobalto 60).
Esta técnica, usada com diferentes elementos, produz fontes radioactivas com diferentes propriedades. Em função da energia que a radiação transporta diferentes usos podem ser dados às várias fontes radioactivas. No caso do Cobalto 60 já referido, este possui uma energia de cerca de 1,25 Milhões de electrão-volt (unidade para medir energia) o que a fez ser usada como fonte para tratamentos de radioterapia externa. Outro material também usado na radioterapia é o Irídio 192 que tem uma energia de cerca 0,38 milhões de electão-volt sendo por isso, usada em tratamentos de braquiterapia.
Enquanto a energia está associada à “profundidade de penetração” da radiação outra propriedade está associada ao tempo de vida da fonte radioactiva. Chama-se tempo de meia-vida e é definido como o tempo necessário a que o “nível” de radiação emitida pela fonte diminua para metade. No caso do Cobalto 60 este tempo é de 5,27 anos e para o Irídio 192 é de 73,8 dias. Só por curiosidade, o do Uranio é 4468 milhões de anos percebendo-se assim a dimensão dos problemas causados pelos acidentes em centrais nucleares.
Estas propriedades são particularmente importantes no uso de fontes de radiação para tratamentos. Como podem ver na secção sobre braquiterapia, existem alguns tipos de tratamentos em que as fontes são implantadas de forma permanente. No caso de tratamentos da próstata, por exemplo, são usadas fontes de Iodo 125. Estas têm uma energia de 35000 electrão-volt (energia baixa comparando com as referidas acima) e um tempo de meia vida de 59,5 dias. Isto signica que a actividade da fonte vai diminuir para metade passados 59,5 dias, para um quarto passados 119 dias, para um oitavo passados 178,5 dias e assim sucessivamente.
Associando a baixa energia ao baixo tempo de meia vida temos assim fontes seguras para implantar de forma permanente.
A radiação está em toda a parte. Faz parte do nosso dia a dia e permite-nos usar um vasto leque de equipamentos de que vamos dependendo mais ou menos. Como viram, a radiação não é toda igual e existe um tipo de radiação sobre o qual devemos ter mais respeito. A radiação ionizante tem a capacidade de danificar sistemas biológicos e, como tal, de provocar problemas graves de saúde se for usada de forma descontrolada. A sua aplicação na medicina é extremamente regulada e administrada apenas por profissionais com formação específica na área em questão.
No caso da radioterapia, o que se pretende é mesmo aproveitar os danos provocados pela radiação, dirigindo-a às células que pretendemos destruir, minimizando os danos nos tecidos vizinhos. Por isso a resposta à pergunta se a radiação faz mal, é um claro sim. Dito isto, seria irresponsável ficar por aqui. Todos os procedimentos médicos, desde tomar um comprimido até uma cirurgia não são isentos de risco nem de complicações. Porém é feita uma avaliação sobre estes potenciais riscos face aos potenciais ganhos e só nesses casos o procedimento é proposto a quem dele necessita e só realizado com o seu consentimento.
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