Reprodutibilidade

Imagem cedida por Elekta

Reprodutibilidade

O tratamento de radioterapia assenta sobre a capacidade de se reproduzir a mesma posição em todas as fracções. A reprodutibilidade é, por isso, um dos grandes pilares da radioterapia. Quando pedimos às pessoas que não se mexam durante o tratamento é porque movimentos imprevistos têm impacto na forma como a radiação interage com o corpo dessa pessoa e, portanto, na dose administrada.

O tratamento é planeado tendo por base uma imagem de TAC adquirida naquela que será a posição do tratamento. Essa imagem funciona como uma fotografia de como está o corpo naquele dia e que nos servirá para identificar o volume a tratar e os órgãos circundantes a proteger. 

Serve ainda para prever a forma como a radiação interage com os diferentes tecidos do corpo e, portanto, como deposita a energia. Esta energia depositada mais não é do que a dose de radiação que se pretende administrar.

Assim, é nossa função garantir que repetimos a posição em que a “fotografia” foi tirada no momento da TAC. Com isso, garantimos que o feixe de radiação vai interagir da mesma forma com os tecidos e, portanto, administramos o tratamento da forma que foi por nós estudada como sendo a melhor.

Mas e então os movimentos fisiológicos? Afinal de contas respiramos, temos movimentos digestivos, a bexiga mais cheia…, etc. É verdade todos esses movimentos acontecem de tratamento para tratamento e até durante a mesma sessão de tratamento!

Para acautelar estes movimentos usamos margens de segurança. O que são? Bem, vamos ter que entrar um pouco na teoria da coisa. A Comissão Internacional de Unidades e Medidas de Radiação (International Commission on Radiation Units & Measurements – ICRU) é a autoridade mundial neste campo tendo vários protocolos sobre esta e outras temáticas.

Assim, há que falar de alguns conceitos:

  • Tumor demonstrável (Gross Tumor Volume – GTV) – Trata-se daquilo que é identificado como a massa tumoral
  • Volume alvo clínico (Clinical Target Volume – CTV) – Inclui o GTV e volume envolvente onde existe a suspeita de existir doença microscópica
  • Volume alvo para planeamento (Planning Target Volume – PTV) – Inclui os dois volumes anteriores aos quais é adicionada uma margem. Esta margem tem como função garantir que o CTV recebe a dose a administrar. Por outras palavras o PTV existe como forma de garantir que não falhamos o nosso alvo. No caso, o CTV.

 

A margem do CTV para o PTV é composta por duas partes. A primeira destina-se a compensar pequenas imprecisões no posicionamento das pessoas. A segunda destina-se a compensar movimentos fisiológicos.

Imagem de "Basics of Planning and Management of Patients during Radiation Therapy - A Guide for Students and Practitioners"

A relação entre margens e precisão

Se passarem pela secção da protecção radiológica vão encontrar alguns princípios, entre os quais o da optimização, que nos diz que devemos optimizar as nossas práticas no sentido de minimizar a exposição de tecidos sãos. Este principio é abrangente sendo mesmo transversal a todo o processo. 

No entanto, gostaria de chamar a sua atenção para um pequeno detalhe. Como explicado acima, uma parte da margem entre o volume clínico (CTV) e o volume de planeamento (PTV) está directamente relacionada com a nossa capacidade de replicar o posicionamento do tratamento diariamente.

Isto significa que quanto mais precisos conseguirmos ser, mais pequena vai ser essa margem. Porque é que isso interessa? Porque é uma margem que adicionamos ao que queremos tratar e, portanto, se vai estender para tecidos sãos. Logo, margem mais pequena, menos tecidos sãos incluídos e potencialmente menos efeitos secundários.

Como fazemos para garantir que fica na mesma posição todos os dias?

Tudo começa no momento em adquirimos a TAC de planeamento. A tal da “fotografia”. Neste momento e em função da área a tratar podem ser selecionados alguns acessórios que têm como função ajudar a que a posição se mantenha ao longo do tratamento. A maior parte destes acessórios tem algum nível de personalização de modo a permitir o maior conforto possível enquanto permanece na posição tecnicamente mais favorável. 

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Outra ferramenta para reproduzir a posição diariamente são marcas na pele. Se conhecem alguém que já fez tratamentos de radioterapia dir-lhe-ão que lhe pintaram a pele e é verdade.

Nem todos os centros as usam, mas quando são usadas, servem para nos guiar no alinhamento de várias áreas do corpo, sendo assim mais fácil para nós corrigir desvios face à posição que serve de base ao planeamento.

Porque as pinturas são resistentes, mas não permanentes, temos ainda outro auxiliar. Juntamente com estas marcas são feitas pequenas tatuagens. Tatuagens? Sim, mas nada do que estão a pensar. 

Trata-se de pequenos pontos colocados em localizações chave, feitos através da colocação de uma muito pequena porção de tinta entre as camadas da pele através de uma agulha. Não se preocupem. Não dói e no fim tem a aparência de um pequeno sinal. 

Para que servem? Tal como disse é possível que as marcas desapareçam. As tatuagens são o nosso seguro. Caso desapareçam conseguimos através de um conjunto de procedimentos recuperar a posição original, evitando assim repetir todo o processo e suspender o tratamento enquanto o fazemos.

Então como localizamos o sitio certo? Tudo começa na TAC de planeamento. Nesse procedimento ser-lhe-ão feitas algumas marcas e/ou tatuagens que têm como função definir aquele que vai ser o ponto zero. 

À semelhança do que acontece num gráfico cartesiano temos 3 eixos que representam as 3 direcções em que nos movemos no espaço. Esquerda-direita, frente-trás e cima-baixo. Todos os movimentos possíveis de fazer podem ser representados através deles. 

Na radioterapia não é diferente. Temos a nossa origem (ponto zero) e através do sistema de planeamento, localizamos nas diferentes direcções quanto é que temos que mover para localizar o tumor.

Acessórios, marcas e tatuagens apesar de importantes apenas nos levam até um certo grau de precisão. Como queremos sempre mais, temos ao nosso dispor mais um truque. Um sistema de imagem

Este, permite-nos adquirir imagens bidimensionais ou tridimensionais e que depois comparamos com a que foi feita no dia da TAC de planeamento. A “fotografia” que serviu de base para o planeamento do tratamento. 

Com estas imagens fazemos as necessárias correcções de forma a conseguirmos a posição inicialmente definida.

Imagem de https://www.bem.fi

Volumes-alvo em movimento

Por volumes-alvo em movimento, refiro-me a tumores em órgãos que se movem frequentemente como parte da sua função. É o caso dos pulmões, por exemplo. Alvos em movimento são um problema pois corremos o risco de, durante o seu movimento, falharmos o alvo. Existem imensas estratégias para lidar com este problema umas mais acessíveis do que outras e todas com vantagens e desvantagens. 

As estratégias variam desde criar margens maiores, passando por aquisição de imagens de TAC ponderada em tempo (TC4D), pelo uso de acessórios que limitam a amplitude respiratória, pelo o uso da técnica auxiliar de gating respiratório através de marcadores ou de estratégias de tracking em que o equipamento segue literalmente o tumor.

A variedade é grande e por isso difícil de detalhar todas as possibilidades. Para saber mais sobre que estratégias podem ser usadas no seu tratamento fale com o seu médico radioncologista.

Animação retirada de https://youtu.be/1uBkvOyp1b8

O caso particular de órgãos que podem aumentar bastante o seu volume

Falo-vos de órgãos que durante o dia podem ter o seu tamanho bastante diferente. É o caso da bexiga, do recto e do estômago apenas para nomear alguns. Nestes casos, podem ser dadas instruções claras e especificas, por pessoa, sobre o que deve fazer para nos ajudar a conseguir a melhor coincidência com a “fotografia”. De forma mais concreta, indicações como fazer jejum de algumas horas antes de ser tratado, ou beber água antes do tratamento devem ser cumpridas com o maior rigor possível.

A razão para tal prende-se na relação com as margens entre volume clínico (CTV) e volume de planeamento (PTV). Uma das componentes desta margem destina-se a acautelar movimentos fisiológicos dos quais a bexiga, o recto e o estômago são exemplos. As indicações que damos no inicio do tratamento assentam no pressuposto que vão ser cumpridas garantindo um certo nível de reprodutibilidade do órgão. 

Um desvio no preenchimento destes órgãos face ao inicialmente previsto,  pode resultar num desvio do volume alvo ou a que os órgãos de risco se desloquem para dentro do volume a tratar, aumentando a sua irradiação. Consequências? Podemos falhar o alvo e/ou irradiar tecidos sãos aumentando a probabilidade de efeitos secundários.

Temos à nossa disposição ferramentas que nos permitem aferir se as indicações são cumpridas e caso a “fotografia” não seja igual, pode levar a que o protocolo de preparação do tratamento tenha que ser repetido aumentando assim o seu tempo de permanência no serviço.

Cumpra. É para o seu bem!

Resumindo...

Se vai fazer radioterapia deve sempre chamar a atenção do Radioterapeuta se não estiver confortável na posição que lhe for indicada. Deve fazê-lo logo na primeira vez (aquela em que se tira a “fotografia” que serve para o planeamento).  Caso tenha dores, se sinta ansioso ou tenha alguma fobia chame também a atenção para esses factos. Na grande maioria dos casos podemos ajudar.

Temos ao nosso dispor vários tipos de acessórios e estratégias que visam aumentar o conforto. Lembre-se que vai ter que estar naquela posição algum tempo e, portanto, se estiver desconfortável a probabilidade é que se venha a mexer com prejuízo para o seu tratamento.

No momento em que seja definida aquela que vai ser a posição do tratamento é de grande importância a sua participação. Ajude o Radioterapeuta a ajudá-lo. Pergunte participe e discuta de forma a arranjarem a melhor solução para si. Se não se sente confortável, diga, e se lhe derem indicações para seguir antes do tratamento, faça. São para vosso benefício.

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