Como Funciona?

Animação retirada de https://youtu.be/X_tYrnv_o6A

Radiobiologia

A radiobiologia é uma área de estudo ligado às ciências médicas para estudo dos efeitos da radiação em sistemas vivos. É um dos grandes suportes da radioterapia pois sustenta o conhecimento de que doses de radiação são ou não seguras para administrar, quais as tolerâncias dos vários tecidos do corpo humano, quais os mecanismos de acção, entre outros. É uma área complexa que reúne um conhecimento de várias ciências de entre as quais se destacam a biologia, a química e a física.

No entanto, o papel da radiobiologia não se esgota na radioterapia, tendo um papel importantíssimo na protecção radiológica, bem como na regulação da aplicação de radiações na medicina.

Como funciona o tratamento?

Na secção sobre a radiação já explorámos um pouco a interacção dos diferentes tipos de radiação com as células embora com o foco no tipo de radiação. Embora muito exista para dizer tentarei abordar a questão de forma um pouco mais prática.

Comecemos num cenário mais simples. Temos radiação ionizante que transfere energia a uma célula. 

Sendo que o objectivo da radioterapia é matar as células tumorais, imaginemos que a célula no nosso cenário é uma célula tumoral. Quando a radiação interage com a célula é gerada uma cadeia de eventos químicos e físicos que, em termos objectivos, representam dois caminhos para causar danos à célula e eventualmente levar à sua morte.

Antes disso, vamos um pouco atrás falar de ácido desoxirribonucleico. De quê? Calma! É mais conhecido por ADN (ou DNA em Inglês) e é o principal componente do nosso material genético, sendo o elemento químico primário dos cromossomas. 

O modelo da molécula foi descoberto por James Watson e Francis Crick em 1953 sendo constituída por duas cadeias enroladas em forma de hélice ligadas entre si. Esta descoberta foi uma das principais descobertas científicas do século XX e valeu-lhes o prémio nobel da medicina em 1962.

Mas o que é que isto interessa? Bem, é no ADN que estão codificadas todas as informações para uma célula funcionar normalmente. Isto quer dizer que é também aqui que estão guardadas as informações referente aos processos de reparação da própria célula e é aqui que está a chave.

Imagem de www.genome.gov

Voltemos ao nosso cenário e aos caminhos de atacar a célula. O primeiro é o de danos directos. Simplificando, o que isto quer dizer é que a radiação interage directamente com o ADN das nossas células, sendo um dos possíveis cenários a quebra de uma ou duas das cadeias que constituem a molécula. Outros tipos de danos podem ocorrer quer no ADN quer noutros componentes da célula e, em função da extensão dos danos, a célula consegue ou não sobreviver.

No segundo caminho de atingir a célula falamos de danos indirectos. Nestes, o processo acontece pela interacção da radiação ionizante com o meio celular, particularmente com a água. Nesta interacção, a molécula da água decompõe-se em vários tipos de iões extremamente instáveis e reactivos com tudo o que encontram. 

Sendo que se formam no interior da célula esses iões vão interagir com todos os componentes celulares incluindo o ADN. O nome mais comum para esses iões é radicais livres. Sim. Esses mesmo que já ouviram falar. Existem no nosso corpo de forma natural, são os responsáveis pelo nosso envelhecimento e cujos cremes anti rugas muito se orgulham de anular.

Embora os danos directos sejam, por norma, mais letais a verdade é que os danos provocados pelos radicais livres são muito mais frequentes num tratamento de radioterapia. Isto significa que a maior parte dos danos causados às células durante o tratamento são passiveis de ser reparados falando-se em danos sub-letais. 

Imagem de https://opentextbc.ca

Mas de que danos estamos a falar? A nível do ADN falamos de dois tipos de danos. Quebra isolada de uma cadeia (ou single strand breaks em inglês) ou uma quebra dupla de ambas as cadeias da molécula (double strand breaks em inglês). 

Como o próprio nome indica trata-se de uma quebra em apenas uma das cadeias ou em ambas. As quebras numa só cadeia são geralmente reparadas pelos mecanismos da própria célula. Já as quebras duplas são muito mais difíceis de reparar podendo levar à morte da célula.

Então afinal em que ficamos? Se são reparados a célula sobrevive? Sim. Mas o segredo está em fazer muitos danos sub-letais ao longo de um tempo relativamente curto, impedindo a célula de completar as reparações que tem para fazer. Eventualmente vai acumular uma grande quantidade de danos sub-letais que se tornam impossíveis de reparar e acabando na morte da célula.

Como Funciona a Radioterapia?

Vê a explicação em video

O Ciclo Celular

Já sabemos que danos temos que provocar nas células tumorais! Sim, mas há mais a acrescentar e para isso temos que introduzir o conceito de ciclo celular. Entende-se por ciclo celular um sequência de fases pelas quais uma célula passa para que se possa reproduzir.

Sendo esta sequência um ciclo, não existe um principio nem um fim mas para efeitos explicativos, pensemos numa célula que faz parte de um qualquer tecido na sua vida normal. Desempenha a sua função e nem lhe passa pela “cabeça” em dividir-se. Esta célula encontra-se na fase G0.

De repente, essa célula recebe um sinal a dizer que mais células iguais a ela são necessárias e, como tal, tem que se reproduzir. Entra então na fase G1 na qual cresce em tamanho e começa a preparar o ADN para ser copiado.

Preparado que está e completas as verificações necessária, avança para a fase S, na qual, o ADN é efectivamente copiado.

Segue-se a fase G2 onde a célula volta a crescer e onde desenvolve um conjunto de condições como preparação para se dividir em 2 células.

Esta divisão acontece na fase M, também conhecida como mitose, onde os dois conjuntos de ADN são organizados e separados juntamente com outros constituintes de forma a que aconteça a efectiva divisão, à qual se dá o nome de citocinese.

Quer na fase G2 quer na M existem pontos de controlo destinados a verificar que o processo de divisão acontece de forma correcta, assegurando assim a viabilidade das células.

Imagem de "Handbook of Brain Tumor Chemotherapy, Molecular Therapeutics, and Immunotherapy"

Os Danos Celulares, o Tratamento e os Efeitos Secundários

O ciclo celular tem uma relação de proximidade com a radioterapia, no sentido em que nos permite entender um pouco melhor o que acontece na células de um tumor. O cancro caracteriza-se por um crescimento anormal de células, muitas vezes sem função específica, sendo reflexo de um processo de divisão celular anormalmente alto resultando na produção de novas células sem que exista necessidade de tal.

Logo, podemos dizer que as células num tumor passam, de forma muito mais frequente, pelo ciclo celular. Porque é que isto é importante? Bem, porque para além de explicar a formação do tumor diz-nos também que estão mais vezes expostas aos danos da radiação.

A divisão celular é um processo delicado onde acontecem diversos fenómenos delicados para célula. Significa isto, que existem alturas em que as células estão mais sujeitas aos danos provocados pela radiação. E assim é! Durante a fase M a célula encontra-se mais desprotegida e como tal, com maior probabilidade de acontecerem danos ao ADN.

Acontece que dentro de um tumor temos vários milhões de células em fases diferentes do ciclo celular, pelo que durante a exposição à radiação, umas são mais afectadas do que outras.

Então, visto que também as células normais passam por este processo, também elas são atingidas? Sim. É um facto. Porém há uma diferença. As células normais não passam pelo ciclo celular tão frequentemente como as tumorais, pelo que não acumulam a mesma quantidade de danos. Para além disso, relembro que os danos dependem também da formação de radicais livres. 

Ora acontece que estes se formam em maior quantidade na presença de oxigénio, coisa que, pela sua grande avidez de nutrientes (provenientes do sangue), as células tumorais podem também ter mais do que as células ditas normais. A juntar a estes factos há que referir que as células normais são células estruturadas e perfeitamente funcionais, pelo que são capazes de reparar os danos ocorridos com muito maior eficácia do que as células tumorais.

Esta diferença nos danos acumulados nas células em função da dose administrada é a chamada janela terapêutica. Dito isto, o que pretendemos atingir é o ponto em que maximizamos os danos no tumor (curva azul), enquanto os danos nas células ditas normais são ainda baixos (curva vermelha). Se desenhássemos uma linha vertical entre as duas curvas seria o ponto em que apanhamos o ponto mais alto da azul e o ponto mais baixo da vermelha.

Está então à vista o porquê dos tratamentos terem, tipicamente, uma duração de algumas semanas. Durante esse tempo todas as células vão passando pelas várias fases do ciclo celular podendo assim acumular mais danos. Para além disso, o tempo entre tratamentos permite ainda que as células normais façam as reparações necessárias. Este é o fundamento para usarmos várias sessões de tratamento.

Mas não é só. Outras coisas acontecem com o passar do tempo do tratamento. Vejam abaixo!

Imagem de "Basic Radiotherapy Physics and Biology"

Como é Reparado o ADN?

Sabe tudo no video

Os R's da Radioterapia

Os R’s da radioterapia são um conjunto de fenómenos que acontecem num tumor e que são de grande relevância para o sucesso do tratamento.

Reparação

O primeiro R da radioterapia é um já descrito acima. A reparação mais não é do que o conjunto de trabalho efectuados pela célula para tentar reparar os danos sofridos. Tal como já escrito acima as células normais fazem-no com muito mais eficácia do que as tumorais, razão pela qual existe um ganho em fraccionar a dose de radiação.

Repopulação

O segundo R refere-se ao facto de a reparação também ocorrer nas células tumorais. Na prática isso significa que até a célula tumoral morrer, ela continua a dividir-se e a produzir mais células. Na prática, e para que o tratamento tenha sucesso, isto traduz-se no facto de a taxa de células mortas ter que superar as que são geradas. Significa também isto que não podemos fraccionar o tratamento sem critério existindo assim uma dose diária considerada standard para assegurar o sucesso do tratamento.

Redistribuição

O terceiro R foi também já ligeiramente abordado acima. Não é mais do que a distribuição do conjunto das células que constituem um tumor, pelas várias fases do ciclo celular. Uma vez que são mais sensíveis à radiação na fase M, todas por lá passarão durante o decorrer dos dias de tratamento, potenciando assim o sucesso do tratamento.

Reoxigenação

O quarto R está relacionado com os danos indirecto já explicados acima. Uma vez que a presença de oxigénio aumenta a produção de radicais livres responsáveis pelos danos ao ADN, a sua presença é deveras importante para o sucesso da radioterapia. Acontece que devido à forma desregulada de reprodução destas células, algumas delas no interior do tumor podem ter pouco oxigénio presente. Com o passar dos dias de tratamento e com a morte de algumas células, o fornecimento de oxigénio ao tumor altera-se. As células anteriormente com falta passam a ter um maior aporte sanguíneo e com ele mais oxigénio. Mais oxigénio, mais danos.

Radiosensibilidade

O quinto está relacionado com vários factores que podem tornar a célula mais sensível à radiação. Existem uma grande variedade de medicamentos (quimioterapia) que têm como função potenciar os efeitos da radioterapia sendo usados como parte da estratégia terapêutica.

A comunidade científica já vai falando num sexto R. Porém, está ainda em discussão.

Resumindo...

A interacção da radiação com as células é a base dos tratamentos de radioterapia. Seja por danos directos ou indirectos, a deposição da energia da radiação provoca danos que podem comprometer a viabilidade da célula acabando esta por morrer.

Num qualquer tumor, as diversas células que o compõem encontram-se em diferentes estados e portanto com diferentes sensibilidades à radiação. A fase mais vulnerável é quando as células se encontram no processo de reprodução e mais concretamente em algumas das fases do ciclo celular. Como as células tumorais se reproduzem a um ritmo maior do que as células sãs, a probabilidade é que sejam atingidas de forma mais violenta.

Aliando este facto aos diferentes fenómenos que acontecem num conjunto de células irradiadas, estão lançadas as bases para entender o conceito de fraccionamento e sua importância na gestão dos efeitos secundários.

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