Comunicamos desde que nascemos. Faz parte de nós. Comunicamos das mais variadas formas. A palavra, escrita ou falada, assume o papel dianteiro na comunicação, mas os canais são muito mais abrangentes. Comunicamos com os ombros, com os braços, com as mãos, com a boca, com a cara, com os olhos… diz-se, por isso, que existe uma linguagem corporal e que a qualidade da comunicação é dependente de muito mais do que aquilo que é dito.
Um bom exemplo disso são os emojis. Na tentativa de transmitir algo além das palavras escritas numa mensagem, adicionamo-los, para transmitirmos também o que sentimos.
De uma forma mais elaborada comunicamos de outras formas. Música, literatura, teatro, pintura, escultura… Todas as formas de arte são uma forma de expressar algo, muitas vezes impossível de uma qualquer outra forma. Algo que apenas se sente.
Não será, por isso, de estranhar que ao procurarem as palavras comunicar e comunicação num dicionário, vão encontrar significados como “pôr ou ter em comum”, “reunir”, “ligação”, “relações” ou “comunhão”.
A comunicação tem, por isso, ganho bastante destaque na construção de conhecimento sobre a melhor forma de o fazer e sobre a melhor forma de capacitar os profissionais de saúde a fazerem-no de forma mais eficaz. Existindo muitas publicações sobre programas de treino de profissionais de saúde em comunicação, não é de estranhar que tenham sido publicados já vários estudos de peso científico sobre o assunto, ainda que revelem a dificuldade existente em obter conclusões sólidas e resultados consistentes.
Isto faz-me pensar que existirá algo a que o treino e a formação não conseguem dar resposta. A nossa necessidade de usar algo que expresse emoção na nossa comunicação revela uma verdade inegável sobre comunicação. Nós fazemos parte dela! Por isso a comunicação em saúde não pode ser “apenas” um conjunto de técnicas que se aprendem e aplicam. Comunicar em saúde terá sempre que passar também pelo desenvolvimento de características pessoais que todos temos. Coisas como a consciência de si, do outro e da situação, o auto controlo, o auto conhecimento e a empatia são ferramentas poderosíssimas na altura de bem comunicar.
… a maior barreira à comunicação interpessoal é a nossa tendência muito natural para julgar, para apreciar, para aprovar ou desaprovar as afirmações de outra pessoa ou de outro grupo.
Carl Rogers
Os profissionais de saúde, para além de profissionais, são também seres humanos. São pais, filhos, esposos, namorados. Têm também sonhos, medos, angustias e inseguranças. Assumir que fazemos parte da comunicação é também assumir que transportamos tudo isto para a forma como comunicamos e que, se não tivermos essa consciência, isso pode destruir por completo qualquer forma de comunicação.
Ter disto consciência é ganhar espaço para poder intervir sobre o que sentimos, no momento em que o sentimos, de forma a conseguir manter a comunicação viva. Todos nós temos uma tendência muito natural para julgar. Fazemo-lo à medida que vivemos e integramos a realidade em nós, contruindo e mantendo o nosso sistema de valores. Portanto, ter disto consciência é saber que isso existe, possibilitando assim uma intervenção para que isso não tome conta da comunicação.
“Se bem que a tendência para proceder a apreciações seja comum em quase todos intercâmbios da linguagem, ela intensifica-se imensamente nas situações que envolvem profundamente sentimentos e emoções.”
“Assim, quanto mais fortes forem os nossos sentimentos, com muito maior facilidade deixará de haver elementos comuns na comunicação.”Carl Rogers
Para o fazer é preciso escutar! Uso esta palavra não como sinónimo de ouvir, mas sim com uma diferente intenção. Ouvir é ato passivo. Ouvimos mesmo quando não queremos pelo que não implica um esforço consciente ou um gasto de energia. Escutar é algo ativo! É estar ligado no que está a acontecer! Existe um esforço e um foco. Este escutar a que me refiro não é apenas um escutar sobre o outro, mas sim também sobre nós próprios e sobre a situação. É estar ligado naquilo que realmente está a ser trocado no momento da comunicação.
Este escutar permite-nos atuar sobre o que sentimos e isso permite-nos criar espaço em nós para a realidade do outro. Por mais estranho, diferente ou injusto que esse mundo vos possa parecer cada pessoa tem a sua realidade e a sua verdade. Nesse lugar, o que quer que essa pessoa sinta, há uma justificação para o sentir. O espaço que criamos em nós para receber esse mundo será tanto mais eficaz quanto mais se parecer com uma folha em branco em que o outro vai escrevendo. Atuar sobre o que sentimos permite-nos acolher a verdade do outro sabendo que ela não destrói a nossa. Antes a enriquece.
“A maior parte de nós não escuta com intenção de entender, escuta com intenção de responder”
Stephen Covey
Este espaço é a base da empatia. Para os menos familiarizados com a palavra ela é diferente da simpatia. A empatia é reconhecer a dificuldade do outro e dizer “vem até mim”. A simpatia é reconhecer a dificuldade e dizer “se precisares de ajuda diz”. A simpatia promove a distância, a empatia a ligação. Escutar permite que nos liguemos ao que o outro sente e que identifiquemos esse sentimento em nós. A empatia é, por isso, uma escolha consciente porque para me conectar com o outro tenho que me conectar com algo em mim que se identifica com o que o outro sente e isso só é possível se reconhecermos a nossa própria vulnerabilidade.
Se por esta altura estão a pensar em que isto já vai longe do tema inicial, deixem que vos diga que isto tem tudo a ver com comunicação. Cada vez mais (e a literatura científica reflete isso mesmo) existe a convicção de que os profissionais de saúde devem sentir e demonstrar empatia para com os seus doentes e deixem-me dizer-vos que uma comunicação eficaz não se consegue sem ela.
Se não acreditam em mim voltem a ver os significados de comunicar e comunicação.
“Compassion is not mere handholding. It is good medicine.”
A prescription for healing – Carta aberta de um doente a um médico
https://www.newsweek.com/prescription-healing-193844
Uma resposta
Que bom é ler e ter acesso às tuas partilhas.
Entender o que está para além do amigo, é descobrir o profissional que atua, pensa e funciona com imensa inteligência emocional.
Valorizar o sentir nao é tarefa assumida por todos os profissionais de saúde, mas tens que te orgulhar de ti mesmo, porque o teu coração chega a todos os doentes que precisam dos teus cuidados. Para além da tua simpatia, há toda uma envolvencia e partilha de saberes que nos enriquecem como teus amigos e doentes.
Adorei o que aqui deixaste e defendes. Parabéns.