André Pereira

André Pereira

Licenciado em Radioterapia e Pós Graduado em Radiações Aplicadas às Tecnologias da Saúde. Radioterapeuta com 16 anos de experiência. Pai e Marido. Apaixonado por livros e música e por tudo o que eles nos dão.

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Queremos pertencer. Todos temos essa necessidade impressa no nosso ser. Somos criaturas sociais e embora estar sozinho seja, por vezes, uma necessidade, não seríamos capazes de viver completamente sós. Seja no grande ou pequeno grupo queremos pertencer e, por isso, não é de estranhar que a nossa vida esteja cheia deles. A família, os amigos, a escola e o trabalho são exemplos que todos conhecemos de grupos nas nossas vidas, mas existem também aqueles que se formam por convicções, por interesses, por paixões ou para ajudar.

Se dúvidas existissem, as redes sociais vieram expor e amplificar esse sentimento. Ali, procuramos juntar conhecidos e desconhecidos pelos mais variados motivos e neles acabamos muitas vezes por satisfazer essa necessidade de pertencer através de um feedback imediato, seja em forma de “gostos”, visualizações ou outras interações. Creio que em alguns casos existe uma espécie de competição em que a partilha não se destina apenas a partilhar, mas também vem acompanhada por uma afirmação embrenhada nessa necessidade de pertença que, com o tempo, se torna quase um vício. Certamente que para alguns se torna mesmo uma coisa aditiva. A procura da fotografia perfeita, o esconder imperfeições são apenas alguns dos exemplos de uma espécie de tirania que a certa altura se instalou e que vai sendo aceite de forma tácita. 

Todos queremos pertencer. Todos queremos ser aceites.

Pergunto-me o que significa tudo isto para uma pessoa com uma doença oncológica. É certo que dependerá da pessoa, mas imagino que ser constantemente bombardeado com “vidas perfeitas” quando se está a braços com um cancro possa desencadear um conjunto de emoções difíceis de gerir. É claro que as redes sociais podem ter aqui um papel maravilhoso através de grupos de partilha e ajuda e que representam o lado bonito destas ferramentas. Isto vem apenas reforçar o propósito deste artigo.

Não é só nas redes sociais que escondemos aquelas coisas que menos gostamos em nós. Fazemo-lo diariamente nas nossas vidas e fazemo-lo porque queremos pertencer. Porque acreditamos que expor essas coisas pode levar a que sejamos rejeitados ou ostracizados. Falar sobre cancro não dá uma conversa propriamente divertida num grupo de amigos e o medo e a frustração sentida ao pensar ou ao tentar fazê-lo, pode ser um convite a guardar os sentimentos cá dentro.

O que me leva a todos os outros que não conhecem a realidade do que é viver com cancro. Quem trabalha com doentes oncológicos com certeza que se identifica com a frase “não sei o que ando cá a fazer”. É uma frase com uma mensagem fortíssima carregada de significado. É um pedido de ajuda, é um grito de revolta, é um mundo de solidão e toda a gente, num ou noutro nível, identifica o sofrimento nestas palavras. Ao fazê-lo, ele reverbera em nós e funde-se com os nossos próprios medo gerando em nós uma aflição que não queremos confrontar, resultando, geralmente, na frase “não pense nessas coisas” ou em qualquer outra variação.

Não sei o que ando cá a fazer

Ao fazê-lo falhamos em reconhecer que os pensamentos já lá estão e muito provavelmente não vão embora. Ao fazê-lo estamos a desvalorizar o que o outro está a sentir contribuindo para que se sinta mais incompreendido e só, relembrando-o que não pertence.

Por isso, da próxima vez que ouvir um pedido de ajuda de algum familiar, amigo, conhecido ou desconhecido pare uns segundos para perceber o que está a sentir, e se for capaz de lidar com os seus próprios medos, não precisa de dizer muito, mas oiça.

Quanto aos que sentem precisar de ajuda, doentes oncológicos ou não, partilhem. Pode acontecer que vejam do outro lado um par de olhos assustados, mas pode acontecer encontrarem alguém que vos consiga dar algo que não têm e precisam. 

 

Nesse momento algo de maravilhoso pode acontecer.

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