Bem-vindos de volta!
Este artigo é o primeiro de uma série que pretendo fazer sobre a Radioterapia no cancro de Mama, e com os quais conto entrar um pouco mais a fundo nas particularidades dos tratamentos de radioterapia deste tipo de cancro.
Ter um diagnóstico de cancro é, sem dúvida, um momento para o qual ninguém está preparado. Com o choque entra-se numa espécie de realidade paralela onde a mente acelera e faz entrar em queda livre, num buraco cujo fundo parece não existir. Numa altura em que as forças parecem querer abandonar,uma nova realidade surge, com uma nova rotina, cheia de nomes e palavras muitas vezes incompreensíveis mas cheias de carga emocional.
Segundo o Registo Oncológico Nacional o cancro de mama é o mais comum nas mulheres Portuguesas, sendo o segundo tumor com maior incidência no país, apenas atrás do cancro de próstata.
A boa adesão aos rastreios tem permitido detetar casos cada vez mais precocemente permitindo que a mortalidade associada a este cancro se tenha mantido estável ao longo dos últimos anos, apesar da subida na incidência. A nível Europeu Portugal apresenta uma das mais baixas taxas de mortalidade apenas atrás de Espanha, Suécia e Chipre. Bem sei que o SNS não é perfeito, mas deixo-vos estas notas para que nos possamos comparar e com isso, podermos ter mais confiança e orgulho nos nossos serviços de saúde.
Neste primeiro artigo não pretendo detalhar todo o processo de investigação da doença, mas sim, entrar um pouco em alguns aspectos que vos permitam entender melhor o porquê de algumas das decisões que são tomadas num tratamento de radioterapia da mama.
Anatomia
Para falarmos de cancro de mama temos que começar por conhecer um pouco da anatomia. A mama é um órgão e uma glândula situada no peito sendo constituída por gordura, nervos, vasos sanguíneos e linfáticos, ductos, ligamentos e outros tecidos conectivos.

Atrás da mama situam-se os músculos peitorais e a grelha costal que lhe servem de suporte. Na mama, encontram-se ainda as glândulas responsáveis pela produção de leite, as quais se encontram ligadas ao mamilo por uma rede de canais chamados de ductos.

Parte integrante da rede vascular, encontram-se também na mama vasos e gânglios linfáticos que desempenham um papel importante na forma como o cancro progride. Para os que não sabem, este sistema linfático existe paralelamente aos vasos sanguíneos tendo diversas funções inclusive no sistema imunitário. Assim, encontramos na mama as cadeias linfáticas axilares, supra e infra claviculares e mamárias internas como podem ver na imagem abaixo.

A vasta maioria dos tumores de mama tem origem nos ductos ou nas glândulas propriamente ditas e, apesar de muito mais comum nas mulheres, pode também surgir nos homens. A progressão natural da doença (isto é, se não tiver qualquer tratamento) começa por uma massa que cresce localmente e que vai aumentando em tamanho. Numa segunda fase começa a espalhar-se ainda localmente através das cadeias linfáticas e numa terceira, já à distância, através da corrente sanguínea.
Estadiamento
O tratamento a adotar depende de uma avaliação de diversos fatores obtidos através de vários exames de diagnóstico, que culminam naquilo a que se chama de estadiamento e que permitem responder a algumas questões:
- Quão grande é o tumor?
- Já se espalhou para as áreas circundantes? Quais?
- Já atinge áreas distantes? Quais?
Como parte do estadiamento são ainda recolhidas informações que permitem conhecer melhor o tumor, tais como saber se é sensível a hormonas (estrogénio e progesterona), e outras características sobre a forma como “funciona” e como está organizado o tumor.
Para facilitar, a resposta às três perguntas apresentadas acima é sistematizada internacionalmente através de um sistema denominado por TNM (do inglês Tumor, Nodes, Metastasis). Esta escala subdivide cada uma destas três categorias permitindo assim uma caracterização da doença nestes pontos. A cada uma destas letras é adicionado um número em função da caraterística e da sua evolução. No caso da mama o T varia entre 1 e 4, o N entre 0 e 3 e o M entre 0 e 1. A título de exemplo poderíamos ter o seguinte código T1 N1 M0.
Está por esta altura claro que os números não são arbitrários e que dependem de critérios concretos. Assim, e relativamente ao tamanho do tumor (T) temos:
- T1 – Tumor com 2cm ou menos
- T2 – Tumor com dimensões entre 2,1cm e 5cm
- T3 – Tumor maior que 5 cm
- T4 – Tumor de qualquer dimensão mas que invade a pele da mama ou a parede torácica. Dentro desta categoria existe ainda o caso particular em que o tumor produz uma reação inflamatória na mama.
Relativamente às áreas circundantes linfáticas (N) temos:
- N0 – Não existem áreas linfáticas invadidas
- N1, N2 e N3 – vão variando consoante as áreas invadidas, dependo também de outros fatores mais técnicos e que não vou detalhar
Por último, relativamente às áreas distantes (M) temos:
- M0 – Não existe invasão à distância
- M1 – Está presente invasão à distância
Estando estas e muitas outras informações reunidas, o médico procede ao estadiamento que mais não é do que uma classificação entre 1 e 4 e que determinará qual a terapêutica a instituir, que pode passar por cirurgia, quimioterapia, hormonoterapia, radioterapia ou combinações e associações de todas elas.
Quero reforçar que o processo de estadiamento é mais complexo do que aquilo que aqui vos trago, sendo geralmente discutido entre médicos de várias especialidades naquilo a que se chama uma consulta de decisão terapêutica.
Este estadiamento que aqui indico é o estadiamento inicial da doença e que depende do exame físico conduzido pelo médico e de informações obtidas a partir de vários exames de diagnóstico. No decurso dos tratamentos instituidos novas avaliações são feitas de modo a verificar a sua eficácia e assim voltar a estadiar a doença de modo a refletir a sua evolução.
Alterações ao plano de tratamento inicial podem acontecer como consequência dos resultados destes novos exames de diagnóstico ou das avaliações clínicas feitas pelo médico assistente, fazendo do estadiamento um processo dinâmico que se refletirá em ajustes, tendo sempre em mente uma terapêutica ajustada a si.
Toda esta panóplia de informação tem como função conhecê-la, a si e à sua doença de modo a que tenha o tratamento definido pela melhor ciência disponível numa lógica de personalização.
Se tem dúvidas relativamente a algum aspecto do seu estadiamento ou tratamento fale com o seu médico.
Para mais informações consulte https://www.nccn.org

Cancro de Mama Invasivo
Informações publicadas pela National Cancer Comprehensive Network (NCCN) sobre o cancro de mama invasivo. Informações em Inglês

Cancro de Mama Metastático
Informações publicadas pela National Cancer Comprehensive Network (NCCN) sobre o cancro de mama metastático. Informações em Inglês
2 respostas
Eu fiz radioterapia em Dezembro 2019 após cirurgia que consistiu em tumorctomia e reconstrução com simetrização. Agora, passados 6 meses, a prótese da mama afectada está fora do lugar e a cápsula que o organismo criou à sua volta está dura! Que soluções há para esta situação?
Cara Paula,
Antes de mais lamento que esteja a passar por essa situação. Uma vez que não sou médico, não posso (nem tenho competência para o fazer) dar-lhe uma opinião acerca deste assunto. Posso, no entanto, dizer-lhe que a contratura da cápsula é uma das potenciais complicações da radioterapia. No entanto, se é esse o seu caso, se se trata de alguma complicação cirúrgica ou uma complicação que advém das duas técnicas, só o médico cirurgião ou eventualmente o radioncologista lhe poderá dizer, bem como quais as vias terapêuticas a seguir.
Enquanto radioterapeuta e visto que é neste momento uma preocupação para si, aconselho-a a consultar um dos médicos especialistas responsáveis pelas terapêuticas que efectuou, pois eles, estando em posse de todos os seus elementos clínicos, são quem melhor a poderá aconselhar sobre os procedimentos adequados.
Visto que estamos em altura de pandemia, aconselho-a a contactar telefonicamente um (ou os dois) médicos que a seguiram para poderem entre vós adoptar o procedimento que acharem mais correcto. Caso não chegue ao contacto procure o seu médico de família pois ele poderá encaminhá-la para uma consulta de especialidade, assim veja necessidade.
Lamento não a poder ajudar mais e as rápidas melhoras